Sobre o Filme "O Feitiço de Áquila" (Lady Hawke)

Sobre o Filme "O Feitiço de Áquila" (Lady Hawke)

O romance de Joan D. Vinge, baseado numa lenda do século XIII, que deu origem ao filme do mesmo nome, conta-nos a história de um amor proibido.

Os personagens principais deste romance são: Lady Isabeau, Charles Etienne Navarre (capitão da guarda), o Bispo de Áquila, Phellipe Gaston (o jovem ladrão – o Rato) e Imperius (o monge).

Lady Isabeau e Navarre se amavam em segredo. O Bispo de Áquila também se apaixonou perdidamente por Isabeau e não foi correspondido. O Bispo era um homem de má índole. Quando soube do romance e fuga de Isabeau e Navarre, perseguiu-os e por nada conseguir lançou sobre o casal uma terrível maldição, garantindo que jamais ficariam juntos. Navarre seria um lobo negro durante a noite e Isabeau um falcão durante o dia. Durante dois anos nenhum dos dois falou com um ser humano.

O Bispo soube do romance e fuga de Isabeau e Navarre através de Imperius, que era o confessor do casal. Imperius era um monge beberrão, e num de seus episódios alcoólicos, contou ao Bispo sobre o romance do casal. Ao perceber a conseqüência do que fez, isolou-se totalmente da comunidade, refugiando-se em um mosteiro.

Phillipe Gaston era um ladrão muito irreverente que foge dos calabouços de Áquila (o único a fazê-lo) e por isso é perseguido pela guarda da prisão; quando está para ser capturado é salvo por Navarre que o intima a ajudá-lo a entrar em Áquila para vingar-se do Bispo (deseja matá-lo).

Enquanto Gaston acompanha Navarre, descobre a verdade sobre a maldição e como poderia ser desfeita, pois Imperius diz que foi instruído por Deus, e que bastaria Navarre e Isabeau estarem diante do Bispo durante o eclipse total do sol (quando o dia se tornar noite) para romper-se a maldição Então, Gaston e Imperius se empenham para isso e conseguem, após inúmeras peripécias. A maldição é quebrada e todos são redimidos. O bispo transforma-se num lobo bem velho.

Como todo mito, conto ou história possui um paralelo com a psique humana, o que esta história nos revela tendo-se como ponto de partida a psicologia analítica?

Bem, podemos considerar que Navarre seja o Animus (aspecto masculino da personalidade da mulher) ou o Ego masculino; Isabeau, a Anima (aspecto feminino da personalidade do homem) ou o Ego feminino; Gaston, como o puer aeternus (ou puella – na mulher – que é a energia catalisadora para novos movimentos e descobertas); Imperius, como o Velho Sábio (aquela instância interior que tudo sabe e melhor pode nos orientar e dirigir) e o Bispo como a Sombra (aspectos tidos como negativos e renegados). Portanto, todos são arquétipos e os principais da psique humana. A história demonstra o que ocorre em nossa psique, como são desenrolados certos processos. Vemos que o Animus e a Anima estão separados da consciência (Navarre e Isabeau não falam com seres humanos) do Ego (em suas formas animais – lobo e falcão) e, portanto, passam a ter vida autônoma e muitas vezes atuando de maneira incompreensível para o Ego – eu posso ter atitudes que eu mesma não reconheço como minhas. Mas também representam o Ego masculino e o Ego feminino quando em suas formas humanas: Navarre e Isabeau. Para serem integrados vão precisar de uma energia jovial, confiante, ousada e desafiadora do estabelecido (o puer ou puella) que por si só não poderia fazer muita coisa pois carece de discernimento e direção além de seu próprio ponto de vista (representado por Gaston). É aí que entra Imperius – o Velho Sábio – que dará sentido a energia liberada pelo puer. Aquele que ouve a orientação de Deus – o Self, o arquétipo central. O eclipse é a Coniunctio – a união dos opostos – que é o representante psíquico da transformação e renascimento, algo do inconsciente será reconhecido pelo consciente e assim transformado, e isso poderá ser positivo ou negativo dependendo de como o Ego o elaborar.

Como a história se chama Lady Hawke, ela conta a história do elemento feminino, portanto vemos o Bispo como o aspecto sombrio do Animus (por isso no final ele se transforma num lobo velho – que não vemos no filme mas está relatado no livro). Se fosse a história do elemento masculino, talvez a figura feminina de uma representante tão importante do clero ou seu equivalente (Anima negativa) se transformaria num falcão velho.

Os arquétipos da Anima e do Animus podem ser vivenciados como forças sombrias e apresentam-se, respectivamente, como ataques de humores nos homens e autoimagem e autocrítica exageradamente negativa na mulher, isto de maneira bem sucinta e genérica. Quando integrados, são as pontes para todo o processo de transformação, são os mensageiros e condutores do inconsciente para o consciente que surgirão e se revelarão através de nossas projeções e de nossos sonhos.

É por essa ressonância psíquica que o filme Feitiço de Áquila exerce uma grande força catalisadora na vida de quem o assistiu, é claro que sem deixar de lado o forte apelo ao amor romântico. Entretanto, o amor real só é possível quando vivenciarmos tal integração e transformação do nosso lado contra-sexual interior, caso contrário, experimentaremos projeções irreais que impedirão a essência de amar e ser amado por outro ser – ver a si e ao outro como se realmente é.