O País do Puer Aeternus - Brasil!

O Pais do Puer Aeternus: Brasil!

Ensaio apresentado como Tema Livre no II Congresso Latino Americano de Psicologia Junguiana na cidade do Rio de Janeiro em 23/06/2000.

Introdução:

A psicologia analítica tem por base o estudo dos Arquétipos que formam o conteúdo do inconsciente coletivo. Como deuses, não podem ser encarados face a face e, por isso, se apresentam através de símbolos, podendo ser observados no comportamento, na maneira de pensar e de sentir de cada indivíduo, como também de uma determinada coletividade.

Alguns Arquétipos são importantes na formação da personalidade do indivíduo, estando entre os mais conhecidos: persona, anima e animus, sombra e Self. Mas existem outros tantos e, todos eles podem aparecer de modo combinado ou puro.

Neste ensaio, será abordado o Arquétipo do Puer Aeternus e sua analogia com certas características comportamentais associáveis ao inconsciente coletivo do povo brasileiro, se considerado em sua globalidade. Pode-se dizer que o Puer é a imagem arquetípica marcante no Brasil.

O puer nunca aprende com tempo e repetição: ele resiste ao desenvolvimento e é sempre único. Nenhum precedente, nenhum passado — assim lhe parece ser. Uma cultura dentro deste arquétipo, como a nossa, não pode se safar de estar radicalmente contra o passado, contra aquilo que já aconteceu e que, portanto, não é "único". (Hillman, 1989. p. 122-123).

Embora, a citação do autor não esteja se referindo ao Brasil, trata-se de uma consideração cabível para o contexto da cultura nacional, trivialmente comentada como própria de "um país sem memória".

Assim, tanto o aspecto positivo do Puer, como o sombrio, podem ter influenciado a visão do resto do mundo, como a dos próprios brasileiros, que podem parecer mais propensos a viverem uma "vida provisória".

É possível que o estudo desse Arquétipo permita auxiliarmos mais, enquanto terapeutas e/ou estudiosos da psique, aos nossos clientes, tanto na psicoterapia como nos trabalhos de consultoria ou na educação, promovendo o amadurecimento interior.

E, quiçá, com isso, gradualmente, a imagem do Brasil, frente ao resto do mundo, vá se alterando e possa, o país, conquistar o respeito a que almeja. Mas, para tanto, a maioria deverá amadurecer emocionalmente.

Um pouco de História

Falar sobre os tempos do descobrimento e da colonização do Brasil, não é uma tarefa fácil e nem precisa. Embora se esteja falando de história, nem todos os fatos são comprovados, visto que àquela época não eram muitos os que liam e escreviam, por isso, o que era registrado passava, com freqüência, pelo crivo da subjetividade. Talvez o primeiro documento que se tenha como registro histórico seja a Carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão da esquadra de Cabral, ao Rei de Portugal, relatando, em forma de diário, a história do descobrimento.

O Brasil foi "descoberto" e colonizado, inicialmente, por portugueses. Os colonizadores portugueses, e mesmo os espanhóis, vale dizer, os povos ibéricos, não apreciavam o trabalho. Esta é uma afirmativa polêmica e talvez inexata pois, na ocasião, esses povos estavam inseridos na dinâmica do mercantilismo, que era, então, o estágio de desenvolvimento das forças produtivas na Europa. Portanto, é provável que os colonizadores fossem aqueles que refutavam os trabalhos braçais.

Um fato que não se pode deixar de tomar em consideração no exame da psicologia desses povos é a invencível repulsa que sempre lhes inspirou toda moral fundada no culto ao trabalho. (Holanda, 1999, p. 38).

E, Holanda continua: "Podemos dizer que de lá nos veio a forma atual de nossa cultura; o resto foi matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma". Segundo o autor, os colonizadores portugueses eram avessos ao trabalho; aventureiros, pouco solidários, que buscavam, através de façanhas, adquirir propriedades e riquezas fáceis.

Consta que os indígenas colaboraram bastante com os colonizadores na indústria extrativa e na criação de gado.

Sua tendência espontânea era para atividades menos sedentárias e que pudessem exercer-se sem regularidade forçada e sem vigilância e fiscalização de estranhos. Versáteis ao extremo, eram-lhes inacessíveis certas noções de ordem, constância e exatidão, que no europeu formam como uma segunda natureza e parecem requisitos fundamentais da existência social e civil. O resultado eram incompreensões recíprocas que, de parte dos indígenas, assumiam quase sempre a forma de uma resistência obstinada, ainda quando silenciosa e passiva, às imposições da raça dominante. (HOLANDA, 1999, p.48).

O índio não se prestava à escravidão; se escravizado morria. Isso levou os colonizadores, dada uma experiência pretérita, optarem pelos escravos negros. E, segundo Dias & Gambini (1999) esses eram bandidos, criminosos ou homens que foram vencidos em guerras dentro de seu próprio país, e por isso, eram vendidos como escravos. Assim, as raízes da atual população brasileira, ao que se pode inferir, são constituídas por aventureiros e banidos, portugueses, escravos e por nosso indígena.

É importante ressaltar que Gambini, na obra "Outros 500", refere que o trabalho dos índios brasileiros era lúdico, pois estava carregado de Eros. Portanto, o conflito era inevitável. O povo ibérico que colonizou o Brasil tinha amor ao ganho fácil e caracterizava-se pela mutabilidade, isto é, raramente as pessoas dedicavam-se a vida inteira a um mesmo negócio, sendo logo seduzidas por outro, aparentemente mais lucrativo.

O peculiar da vida brasileira parece ter sido, por essa época, uma acentuação singularmente energética do afetivo, do irracional, do passional e uma estagnação ou antes uma atrofia correspondente das qualidades ordenadas, disciplinadoras, racionalizadoras. (Holanda, 1999, p. 61).

Por suas características culturais, pode-se depreender que o povo brasileiro inseriu-se no Dinamismo Matriarcal sombrio, negando os valores do Dinamismo Patriarcal no que este possuía de positivo. Segundo Byington (1983 e 1988), o Dinamismo Matriarcal é um padrão psíquico regido pelo Arquétipo da Grande Mãe e orientado pelas emoções, fantasias, magia, intuição, pelo desejo e pela fertilidade, geradores da criatividade e da adaptação às necessidades básicas de sobrevivência. Já o Dinamismo Patriarcal é regido pelo Arquétipo do Pai e emprega, sobretudo, as idéias para seu funcionamento estruturante. Estas idéias, tais como honra, pontualidade, virtude, dignidade, eficiência, coragem, vencer, dever, obediência, lógica, coerência, patriotismo, heroísmo, respeito, autoridade levam ao instinto de poder.

Segundo a Carta de Caminha e a obra Raízes do Brasil (Holanda, 1999), observa-se o efeito que o Brasil causou aos seus colonizadores. Estes ficaram embevecidos pelas belezas naturais, tanto humanas quanto da própria natureza. Ficaram extasiados com os corpos desnudos, cheios de sensualidade. Lembre-se que os conquistadores viajaram em suas caravelas apenas na companhia de homens, por vários meses, sendo compreensível seu êxtase frente à nudez das índias.

Sabe-se que o princípio germinal de um povo está associado ao Arquétipo da Grande Mãe ou no Dinamismo Matriarcal (Byington, 1998). Assim, os indígenas encontravam-se no estágio de civilização marcado por esse dinamismo, no qual vêem-se acentuadas a sensualidade, a passionalidade, a liberalidade, aspectos que seduziram os colonizadores. É cabível ponderar que essa é uma imagem que até os dias de hoje parece ser perseguida e cobiçada pelos estrangeiros.

Então, os colonizadores, inseridos no Dinamismo Patriarcal, projetaram no Brasil, de certa forma, seus ideais de Paraíso e de redenção.

Mas, apesar de indígenas e colonizadores encontrarem-se em dinamismos diferentes, ambos apresentavam, como veremos, características do Arquétipo do Puer.

Partindo-se do pressuposto de que o Arquétipo do Puer já se encontrava por aqui e foi reforçado pelos que aqui chegaram; não só por apresentarem uma certa dominância do mesmo Arquétipo, mas também porque, com a introdução do patriarcado sombrio (escravatura, catequese), elevou-se o espírito rebelde da população nativa, que se fixou no Arquétipo do Puer, mormente em sua polaridade sombria.

O arquétipo do Puer Aeternus

O Arquétipo do Puer Aeternus tem uma de suas associações com o mito grego de Dioniso, principalmente por seus epítetos — Iaco, Brômio e Zagreu.

Dioniso é o deus da transformação, das orgias, dos desregramentos, do êxtase e do entusiasmo, das potências geradoras. Seus epítetos: Zagreu, o primeiro nascimento de Dioniso, que era o menino divino que foi desmembrado; Brômio, que representava a possessão dos adoradores e Iaco reverenciado nos cultos de fertilidade. (Brandão, 1997).

Autores como James Hillman e Marie-Louise von Franz dedicaram-se ao estudo do Arquétipo do Puer. Hillman o estudou por se sentir ofendido e enraivecido com a discriminação quanto a este Arquétipo e, também, porque se via como um Puer (Hillman, 1989). Já Franz escolheu estudá-lo através de autores e suas obras literárias, tais como Saint Exupéry e sua obra "O Pequeno Príncipe". Hillman analisou o Puer através do eixo Puer-Senex e Franz deu maior ênfase ao complexo materno, dando prosseguimento as idéias de Jung.

Jung (1986) refere que os heróis são andarilhos. No caminhar errante tem-se um símbolo da busca pelo objeto que não se encontrará — a mãe que se perdeu. E por aí, teríamos a clássica elaboração da figura arquetípica do Puer Aeternus que derivaria de um complexo materno, em virtude da ausência ou perda da mãe.

A ansiedade inquieta do puer é transformada na psicopatologia do incesto mãe-filho. (Hillman, 1999. p.187).

Quem se identifica com o Puer tem características de jovens no período da adolescência. É aquele que não quer ou não pode crescer. É dependente e espera encontrar uma mulher, ou situação maternal, que o carregará no colo e atenderá a todos os seus desejos. Revela uma incapacidade de assumir compromissos pessoais ou profissionais, e por isso não é confiável. Revela dificuldades de adaptação social pois, acredita apenas no seu ponto de vista, cabendo aos outros adaptarem-se a ele. É um egoísta e egocêntrico, e, dificilmente, se envolve. Tende a apresentar atitudes arrogantes, compelido ora por sentimentos de inferioridade e ora de superioridade. Tem grandes dificuldades para trabalhar, se estabelecer ou se relacionar afetivamente, em função da busca dos objetos idealizados. É um idealista; sempre há um mas indicando que a situação ou pessoa nunca é a ideal. É oportunista, sugestionável, megalomaníaco. Pode, portanto, viver "nas nuvens", ou procura aventurar-se na prática de esportes radicais e perigosos. Muitos morrem prematuramente e de modo trágico, pois se dão ao direito de morrer quando as coisas se tornam insuportáveis.

No Puer encontramos a fogueira dos ideais e paixões, o espírito e a meta; tendências autodestrutivas e iconoclastas, além de uma grande e forte fantasia. É um narcisista, fálico, questionador e inventivo. Compreende a realidade, mas a transforma em sonhos e fantasias. Não aprecia a repetição, a paciência e a direção. Tudo o que faz o remete ao mundo da aventura; transforma seus desejos em aventuras irrefletidas, seja no trabalho, nas atividades físicas ou nas relações sociais ou afetivas.

O puer aeternus só consegue trabalhar como as pessoas primitivas ou que têm um ego fraco, quando ficam fascinados ou em estado de grande entusiasmo. Aí ele consegue trabalhar vinte e quatro horas por dia ou mesmo até que se canse daquilo. (Franz, 1992. p. 13-14)

Para Hillman (1999), a maior dificuldade do Puer reside no fato de se desconhecer, e esse seria o motivo de sua característica autodestrutiva, pois não há reflexão. O Puer está desligado, desconectado das profundezas de sua psique.

A síndrome do puer se caracteriza por uma tendência a viver num mundo de possibilidades, havendo fuga das realidades exteriores do mundo. É possível que esse comportamento de fuga seja uma expressão do temor do fracasso, do sentimento de inferioridade e incapacidade subjacente.

Segundo Franz (1992), através do complexo materno se forma uma barreira entre o indivíduo e a realidade, a qual é colocada pela anima ou pelo animus. "Observa-se o conluio secreto entre a mãe e o filho, e o modo pelo qual a primeira ajuda o segundo a mentir perante a vida." (Jung, 1986a. p. 9).

Uma característica interessante desse Arquétipo é que ele tende a levar o portador da síndrome ao que se denomina de "vida provisória", terminologia desenvolvida por H. G. Baynes para descrever um tipo de neurose. (Franz, 1992).

A expressão "vida provisória" significa a vivência de um período no qual se espera por algum fato, acontecimento ou pessoa especial. E, enquanto se espera este "algo especial", vai se vivendo de maneira automática, pouco reflexiva. Há uma negação do momento presente. A produtividade é muito baixa, como baixo é o dispêndio de energia. É a crença de que o tempo tudo resolve e, por isso, não há pressa.

Como não há relacionamento com o tempo presente, com o aqui e o agora, não há sentimento, este que seria o responsável pelo desenvolvimento da responsabilidade e da consciência de individualidade (Franz, 1992). Portanto, acaba-se por não viver a vida.

Hillman (1999) refere que o herói, a criança divina, o puer, o filho do rei, para citar alguns personagens, fazem parte de uma idéia arquetípica maior, que é a juventude. Quando se estudam os mitos sobre a saga dos heróis, fica patente que sua jornada inicia-se através do Arquétipo do Puer. Então, o Puer vai atrás de sua "grandiosa missão", e, fazendo uso de sua criatividade e charme, vence os obstáculos, atingindo um certo grau de desenvolvimento interior.

Jung (1986a) e Franz (1992) acreditam que o Puer está preso a um complexo materno, seja a mãe verdadeira ou simbólica, e há também a ausência da figura paterna. Quebrar essa dependência da figura materna é uma de suas mais duras tarefas.

Você pode dizer que as adaptações coletivas de todos os tipos, mesmo as humildes e não individualistas, são úteis contra o complexo materno; quer dizer, apresentar-se ao serviço militar, tentar se comportar como todo mundo, não tendo aquele tipo de individualidade elegante que é típico do homem que tem o complexo materno — e desistir da idéia de que é alguém especial, alguém que não precisa fazer tais adaptações, nivelando-se por baixo; tudo isso é um veneno para o complexo materno. Portanto, desistir de idéias megalomaníacas e aceitar ser apenas alguém, ou ninguém na multidão, é até certo ponto uma cura, embora apenas temporária e não completa. Ainda, assim, é o primeiro passo para se livrar da mãe. (Franz, 1992. p. 53-54).

Cabe ressaltar que o Puer Aeternus tem seu equivalente feminino, a Puella Aeterna.

Quebrar o vínculo de interdependência com a figura materna significa crescer, assumir-se, responsabilizar-se por si e por suas escolhas. Mas há muito medo em se assumir o próprio caminho. Nas sagas dos heróis observa-se que eles apenas se desvinculam da situação confortável e arrogante — e, sem dúvida nenhuma, também defensiva — em que viviam, quando partem para realizar a grande missão. Eles sentem como que uma intuição de que há algo grandioso por esperar e por fazer, e assim, garantem sua posição cômoda e passiva, no aconchego materno, até receberam o chamado para a grande missão.

Jung (1986), Franz (1992) e Hillman (1999) citam o caráter andarilho do Puer, que também é encontrado no Herói. É um traço da busca incessante pelo idealizado. No romance de Paulo Coelho, O Alquimista, encontra-se essa jornada do herói, descrevendo um jovem que sai de Andaluzia, rumo ao continente africano, em busca de sua fortuna, um tesouro escondido. Durante a viagem vai tendo que abandonar os vínculos que estabelece e, por fim, descobre que deve retornar ao ponto de partida — o seu inconsciente. O fato a ser lembrado é que o personagem do romance sonha que deve empreender sua viagem até as pirâmides do Egito. Os sonhos são a mais pura linguagem e expressão do inconsciente. Portanto, Puer e herói devem ir ao encontro de si mesmos, do si-mesmo.

Os portadores da síndrome do puer/puella, ao empreenderem a jornada interior rumo ao inconsciente, através de um processo psicoterápico, encontram na lentidão e cadência do processo um caminho para crescer. Devem abandonar certos modelos de pensamento e de ação, certas ilusões e sonhos irrealizáveis, para que possam se encontrar.

O puer aeternus é aquela estrutura da consciência e padrão de comportamento que (a) recusa e combate o senex — o tempo, o trabalho, a ordem, os limites, o aprendizado, a história, a continuidade, a sobrevivência e a durabilidade — e que (b) é compelido por um falicismo a investigar, buscar, viajar, caçar, pesquisar, transgredir todos os limites. (Hillman, 1981, p. 74).

Cabe lembrar que Puer Aeternus e Senex são Arquétipos antagonistas e complementares, e poder-se-ia trabalhar no sentido de reuni-los através da função transcendente (Jung, 1998), que é uma função complexa que visa a unir pares opostos para formar uma síntese, construindo uma ponte entre os dois elementos do par, tendo-se nessa síntese um novo elemento mais coeso, produtivo e positivo. Então, não se trata de excluir um ou outro elemento do par ou de enaltecer um e desmerecer o outro, mas integrá-los de maneira não fracionada. Isto posto, todo e qualquer Arquétipo apresenta um lado que poder-se-ia denominar de positivo e outro de negativo ou sombrio.

É sempre aconselhável, numa visão analítica junguiana, que se observe as polaridades dentro de um Arquétipo e com relação a outro Arquétipo com o qual este se relacione, quando for o caso.

O Senex seria o outro polo do Puer, ou como diria Hillman, uma continuação do Puer. Hillman (1999) afirma que o Puer negativo e o Senex negativo são extremamente semelhantes em seus resultados para o ego e para a vida do indivíduo. Ele revela que o Senex negativo é o que perdeu sua criança, separou-se do Puer.

Sem o entusiasmo e o eros do filho, a autoridade perde seu idealismo. Ela aspira a nada que não sua própria perpetuação, levando somente à tirania e ao cinismo; pois o significado não pode ser sustentado apenas na estrutura e pela ordem. Tal espírito é unilateral, e unilateralidade é mutilante.(Hillman, 1999, p. 33)

O equilíbrio Puer-Senex seria o ideal. Toda vez que se dirige ou enfatiza-se um polo, o outro se alojará na sombra e viverá reclamando e reivindicando seu direito de coexistir.

O Puer sem o Senex é prazer sem vida, o Senex sem o Puer é vida sem prazer. Se constelado somente o Puer, seus aspectos positivos serão transformados em sombrios e habitarão o reino da sombra. Se apenas o Senex for constelado, seu melhor estará na escuridão. Ao se transcender a polaridade poder-se-á estar em harmonia com o princípio do viver.

Atualmente, vem se difundindo muito o conceito de qualidade de vida. Existe uma preocupação com esse fator mas, na maioria das vezes, busca-se esta qualidade no mundo exterior. Porém, se não existir um movimento interno para esse objetivo, de nada adiantará procurá-lo ou criá-lo no mundo exterior.

Está na transcendência Puer-Senex a qualidade de vida. Deve-se pensar em qualidade de vida nos termos de menor stress; diminuição de riscos; hábitos de vida saudáveis; experiências prazerosas no trabalho, relacionamentos e proporcionadas a si mesmo. Prevalecendo só o Puer ou só o Senex, a boa qualidade de vida torna-se inviável.

O Senex, em seu aspecto sombrio, apresenta rigidez, amargura, conservadorismo, cinismo, paranóia, unicidade de visão, intolerância; torna-se um anti-sociável. Como este Arquétipo está fixado no concreto, rege a economia, o poder político, em seu aspecto sombrio volta-se para o chamado concretismo desalmado.

Até agora, enfatizaram-se mais os aspectos sombrios do Puer e do Senex. Mas o que há de positivo nestes Arquétipos?

Há criatividade, espontaneidade, charme, sensualidade, ênfase no espírito, entusiasmo e inventividade no Puer. Quanto ao Senex, têm-se responsabilidade, prevenção, previsão, precaução, autodisciplina, coerência, persistência e seriedade.

O Puer carrega, alquimicamente, as características do mercúrio — volátil, e o Senex do chumbo — pesado. Portanto, através do equilíbrio entre o Puer e o Senex é que se estabelece, de fato, uma personalidade harmônica e amadurecida, tomando-se, evidentemente, apenas esses dois Arquétipos em jogo.

A cura da síndrome do Puer, segundo Jung, se dá através do trabalho, aspecto com o qual Franz concorda, mas acrescenta que se deve trabalhar também no sentido do fortalecimento da estrutura do ego. Já Hillman (1999) acredita que o Puer deve encaminhar-se para a polaridade Senex e integrá-la, pois para ele o Puer não é imperfeito, fraco ou incapacitado para o trabalho, mas, alguém com muita energia e que possui muito prazer no que faz, pela atividade em si mesma.

O Puer Aeternus e o Brasil

A população brasileira parece denotar, uma grande vinculação com o Arquétipo do Puer, desde a época de seu descobrimento. Parece que encontrava-se nestas terras o Puer com sua face mais positiva e encantadora pois, embora ligado ao Dinamismo Matriarcal, este também era vivido em seus aspectos mais resplandecentes.

Com a colonização e a catequese, ou seja, com a imposição do Dinamismo Patriarcal — em um de seus aspectos mais sombrios, cuja denominação é autoritarismo —, o Arquétipo do Puer, diante de uma imagem paterna tão rígida, limitadora, controladora e sombria, acabou por constelar-se, também, no aspecto sombrio, levando, tanto os indígenas quanto os caboclos a reagirem de maneira rebelde, seja frente à ambigüidade como, também, à autoridade positiva.

Dessa maneira, parece que aos índios do Brasil restou a alternativa de estacionar no tempo; sendo poucos os que saem das reservas para buscar o novo. Sua hostilidade reativa frente aos não índios, em razão da violência que sofreram, e ainda sofrem, física, psicológica e em termos territoriais, levou-os a restringir seu campo de ação. Isto tem progressivamente obstado a permuta entre as culturas indígena e não indígena.

Não somente a miscigenação racial, como também a cultural, enriquecem um país. Nessa troca alquímica as duas "substâncias" serão alteradas e cada uma carregará a outra em si.

No entanto, não são incomuns a acomodação e a passividade na cultura aborígene. Há casos em que parecem estar à espera de que as autoridades competentes lhes forneçam o que desejam e lhes dêem o que lhes pertence por direito. Houve pouca evolução, tendo-se por óptica a maneira não indígena de ver as coisas. Mas, alguns poucos ousaram e ousam, e estão em busca de igualdade de direitos, não só para si como para seu povo. Lutam pelo direito de serem índios, de viverem suas vidas segundo suas tradições. Será adequado que o índio permaneça apartado da população não indígena e vice-versa? Embora, se tenha conhecimento de que algumas tribos buscam a distância do homem branco.

Não há necessidade de abandonar tradições, credos, valores e adotar novos modelos, para que haja a integração mas sim, acrescentar a índios e não índios novas experiências de vida, modos diferentes de pensamento e ação, para que possam se encontrar, de igual para igual, e restaurar a própria dignidade.

É notório, de ambos os lados, o preconceito.

Nas cidades observam-se paralelos contundentes quanto às reivindicações. Encontram-se em alguns seguimentos da sociedade reivindicações de direitos. Entretanto, a única ação é a própria reivindicação. Tem-se aqui uma direção no sentido de acreditar que a federação, os governos ou mesmo algum outro segmento da sociedade deve prover seus desejos. Talvez se detecte aqui a busca pelo pai ausente e esteja aqui mais um modelo de "vida provisória".

Poucos são os que arregaçam as mangas e fazem acontecer. Muitos são os que não se responsabilizam por suas próprias omissões. Deixa-se nas mãos dos políticos, que acabam sendo receptáculos de projeções da figura paterna, as soluções e eles, por sua vez, parecem não entender com o que está acontecendo, e, algumas vezes, até usam isso em favor às suas candidaturas.

Quem ainda não ouviu de um conhecido ou parente: "não estou trabalhando porque não me sujeito a trabalhar por menos de "X" reais!" Ou, "não estudo por que só estuda quem tem dinheiro." E mais ainda, "vou ganhar na loteria para não ter mais que trabalhar", "tem que se trabalhar muito tempo para ter direito a aposentadoria."

O que todas essas frases têm em comum? Demonstram os grandes sonhos nacionais: ter bens ou muito dinheiro através de pouco ou nenhum esforço (herança ibérica) , e alguém terá por obrigação realizá-los. Isto parece uma demonstração clara de que por um lado há forte fixação no Dinamismo Matriarcal no seu aspecto sombrio, no qual se delega a responsabilidade pela satisfação das necessidades, já que o complexo materno induz a uma idéia de incapacidade, de insuficiência e, de outro, segundo Franz (1992, 174-175) "um dos auto-enganos do Puer Aeternus, que serve para mantê-lo preso à mãe e conservar sua identificação megalomaníaca com os deuses que, como se sabe, não trabalham."

É o fazer, o criar, que transmuta a indolência em crescimento, amadurecimento e sucesso. Tais posturas caracterizam o Dinamismo Patriarcal no seu aspecto positivo.

Segundo Gambini (1999), o Brasil ficou sem a mãe, pois não se fala na índia que pariu o primeiro filho com um colonizador, dando, assim, início ao que se denomina povo brasileiro. Mas há a mãe idealizada. Ou talvez essa mãe relegada a uma não existência encontre seu reinado na sombra e aprisiona seus filhos em sua própria rejeição.

Em função da difusão das características mais pejorativas do Puer e de sua ingenuidade, o Brasil e os brasileiros estão sujeitos a atraírem pessoas e serem usados por elas ou por povos inescrupulosos e mais espertos. Quem não se lembra da chamada "Lei de Gerson"? Tem-se aqui a mania de se dar um "jeitinho" em tudo. Não se é nada sério e quer-se tudo muito fácil — sem trabalho! O que dá trabalho não serve.

Observa-se no famoso golpe do "bilhete premiado", no qual muitos caem, principalmente pessoas idosas, das quais a maioria das pessoas se penalizam, o duplo aspecto do golpe. Este se caracteriza pelo fato de um cidadão tido por ignorante, estar de posse de um bilhete de loteria premiado num valor alto e desejar trocá-lo por dinheiro em espécie numa quantia bem inferior. Mas o que levou essa pessoa, idosa ou não, a cair nesse golpe? O desejo de levar vantagem e a sua própria má fé em se aproveitar da pretensa ignorância do portador do bilhete. O desejo de ganho fácil e a extrema "cordialidade" tão impregnada no povo brasileiro, levam-no a praticar e a sofrer manobras desonestas.

Quando menciono o "jeitinho", não estou falando das saídas criativas e inteligentes para resolução de problemas e conflitos — o caráter oportunista do Puer —, mas, me refiro às artimanhas da malandragem.

É evidente que não se pode generalizar, e não quero dar tal impressão. Estou apenas citando o que aflora e desponta. E, como não pretendo ficar numa posição cômoda, apenas julgando criticamente a situação, vou discorrer sobre o assunto correlacionando os aspectos do Puer com os observáveis quanto ao Brasil, procurando exemplificá-los e, concomitantemente, esboçar algumas propostas viáveis para promover o amadurecimento, ou seja, para integrar e transcender os aspectos sombrios do Puer e alcançar os aspectos positivos do Senex, superando a própria polaridade.

Foi mencionado o fato do Puer ser dependente da figura materna — real ou simbólica. Isso nos leva a pensar que esta figura materna agiu de maneira a induzir tal dependência. Se não houvesse a colaboração e participação desta, não se poderia estabelecer tal vínculo. Provavelmente, ela foi introjetada como alguém que promete realizar seus desejos sem mesmo constatar a viabilidade dos mesmos, ou se ela estaria capacitada para realizá-los. Cabe considerar a probabilidade da mãe do Puer também ser extremamente sonhadora e não ter seus pés no chão, isto é, ela também estaria afastada do mundo real.

Em se tratando dos povos indígenas, estes estavam vinculados à chamada Mãe Natureza. Por isso os povos primevos e nativos estavam relacionados com o Dinamismo Matriarcal e com a Grande Mãe, só que com sua face positiva. A Mãe Natureza dá na medida em que recebe. É uma figura materna mais real e mais justa. Por isso, é bem provável que o nosso indígena fosse um Puer bem mais próximo do Senex pois, tendo, também, introjetado o Arquétipo do Pai positivamente, tendia a aceitar as ordens dos caciques e possuía raízes, valores que são negados pelo portador da síndrome do Puer.

No seu aspecto sombrio, a mãe, exige fidelidade e lhe proporciona substância para seus sonhos de altos vôos. Pode-se observar isso nas campanhas político-eleitorais, nas quais são feitas promessas que implicam na resolução e saneamento de todas as dificuldades e carências dos eleitores. E, como os portadores da síndrome do Puer possuem uma boa dose de ingenuidade e credulidade, está assim armado o jogo da dependência. Ficar-se-á resmungando sobre as condições indignas em que se vive, sobre o não cumprimento de tais promessas e só. Pouco ou nada é feito.

Aliando-se aos estratagemas políticos, temos dezenas de "slogans" interessantes que colaboram para as idealizações do Puer, tais como: "terra abençoada por Deus"; "em se plantando tudo dá"; "é o país que possui o maior número de riquezas e reservas naturais", e, assim por diante. E, novamente, o que é feito (ação) com tudo isso? Deitados em berço esplêndido.... a esperar que algo aconteça.

A ausência da figura paterna ou a sua presença sombria será percebida através da falta de limite, de disciplina, de ação e de ordem. Isto porque a figura materna que é "boazinha e permissiva" quando lhe convém, afastou o Puer do pai. Ou o pai sombrio, rígido e insensível o empurrou para a mãe.

Como não aprendeu a fazer nada, porque sempre fizeram por ele, o Puer sente-se inferiorizado. Tem consciência de que possui bem poucos atributos para realizar algo ou para competir. Então, foge e refugia-se em seu mundo de sonhos, no qual terá suas dores aplacadas. E, é nesse movimento de fuga que acaba por acreditar que há uma missão especial à sua espera e a se dar ares de superioridade, como se estivesse acima de tudo e de todos. Provém daí sua arrogância e sua dificuldade para se adaptar socialmente.

Afirma-se que o Puer apresenta sérias dificuldades para trabalhar, estabelecer-se e relacionar-se afetivamente. Há algo de errante na conduta do Puer que o faz buscar algo ou alguém ideal, perfeito. Bom, parece-me improvável que alguém com uma conduta errante possa "criar raízes". E, para entender isso, voltemos à figura materna. O Puer encontrou uma figura materna real ou imaginária com toques de pretensa perfeição, pois esta se esforça ao máximo para realizar seus desejos, desde que estes não se oponham aos dela. Entretanto, é possível imaginar o quanto esta vinculação é bilateral, interdependente, e por demais opressora, despersonalizando o oprimido. Então, por que não pensar que a conduta errante e fugidia do Puer é, na verdade, uma tentativa desesperada de desvincular-se dessa figura materna sombria? E, por não estar consciente, o Puer acaba correndo em direção a algo ou alguém similar à figura materna. Continua sua busca por quem faça por ele. Ele está tão preso, tão enredado na teia da mãe protetora que não consegue sair e, se o faz, é para enredar-se em outra teia.

A figura materna do Puer bem pode ser vista como o Arquétipo da Mãe Bruxa e uma de suas representações simbólicas é a aranha em sua teia.

O nosso indígena possui raízes fortes em sua cultura. Entretanto, boa parte da população não indígena não as desenvolve, tal qual como o Puer. Desloca-se pelo imenso território nacional buscando uma vida mais fácil, sucesso e até mesmo diversão. E uma fatia dessa população busca em outros países essas coisas, e por lá é obrigado a trabalhar como jamais o fez por aqui, e quando a pressão se torna intolerável acaba por fugir (há contratos formalizados no caso do Japão) ou cometer suicídio. Estão dando as costas à sua própria cultura. Não estou afirmando que devemos fincar "raízes no solo", a migração é apenas uma analogia com o processo psicológico do Puer, que sem bases realistas sai em busca do paraíso

O Puer carece da figura paterna positiva ou de seu equivalente.

A força de vontade do ego empregada para exercitar tarefas, enfrentar desafios e resistir às tentações, está alicerçada na discriminação estruturante do arquétipo do pai. (Byington, 1987, p. 64).

E pode ser essa a saída para o Puer — a ativação do Arquétipo paterno em sua forma positiva, com seu conseqüente encaminhamento rumo ao Senex.

É possível questionar que a saída para o Puer seja o trabalho, isto é, uma atividade remunerada. Parece ser muito mais do que isso. O trabalho aqui deve ser encarado como o fortalecimento do próprio ego. É trabalhar arduamente em si mesmo, buscando em si a força para desenredar-se. O trabalho psicoterapêutico, por exemplo, o leva a voltar para si, no sentido de se encontrar, fazendo-o desenvolver, a duras penas, a disciplina, a organização e a ação. Vai ajudá-lo a ter sonhos possíveis e construir, passo a passo, a estrada que o levará à sua concretização. Aprenderá a ter limites de vôo.

A figura paterna do Brasil foi extremamente austera e, não raro, má, por conseguinte, ausente em seu aspecto positivo. Apenas os aspectos sombrios do Arquétipo paterno revelaram-se, trazendo uma revolta passiva contra todos os valores, visto que o Arquétipo do pai pode ser visto como o que representa as leis. E, isso só favoreceu o não crescimento e amadurecimento do Puer, como também a constelação positiva do complexo materno.

E o que discorrer sobre "a vida provisória"? Esta nada mais é do que o estilo de vida experimentado pelo Puer, enquanto seu objeto idealizado não chega. É um "vai se levando", "vai se vivendo" sem estar atrelado ao momento presente, ao aqui e agora. Podemos observar na letra musical, que segue abaixo, de dois autores consagrados do cancioneiro nacional, um pouquinho da chamada vida provisória.

Vai levando

Mesmo com toda a fama

Com toda a brahma

Com toda a cama

Com toda a lama

A gente vai levando

A gente vai levando

A gente vai levando

A gente vai levando essa chama


Mesmo com todo o emblema

Todo o problema

Todo o sistema

Toda Ipanema

A gente vai levando

A gente vai levando

A gente vai levando

A gente vai levando essa gema


Mesmo com o nada feito

Com a sala escura

Com um nó no peito

Com a cara dura

Não tem mais jeito

A gente não tem cura


Mesmo com o todavia

Com todo dia

Com todo ia

Todo não ia

A gente vai levando

A gente vai levando

A gente vai levando

A gente vai levando essa guia

Caetano Veloso - Chico Buarque - 1975

O hoje não diz respeito ao Puer. Ele vive além de seu próprio horizonte, cobiçando o que de mais perfeito possa existir e que virá ao seu alcance.

Essa tendência de não viver o momento presente e de sonhar com o momento futuro é o que o impede de realizar seja lá o que for. Para se chegar ao topo de uma escada deve-se subir degrau por degrau. Esse passo a passo, rumo ao que quer que seja, é o que o Puer não faz. Ele quer tudo pronto, não aceita receber uma receita de procedimentos a seguir e é um intolerante às frustrações e, por isso, pouco ou nada faz e produz.

O Puer precisa aprender a dar um sentido ao momento atual. Percebê-lo como um passo para o amanhã. Essa dificuldade em se situar no momento atual é um dos fatores que o impedem de se reconhecer como alguém com valores e potenciais relevantes. Mas ele não escuta, não vê nada além de seus sonhos.

Portanto, em termos terapêuticos, deve-se pensar em orientar o Puer no traçado de pequenas metas e passos para atingi-las. Durante tal processo, pode ser observada a dificuldade que alguns clientes apresentam para anotarem seus sonhos, para ajustarem-se aos horários das sessões, etc.. Não conseguem se ajustar a pequenas regras ou mesmo organizar seus horários e atividades. Parecem estar sempre cheios de "nada" para fazer. E, o pouco que lhes é solicitado é uma odisséia a ser executada.

Vemos o povo brasileiro, via de regra, inserido nessa "vida provisória". As coisas vão acontecendo e, enquanto isso, se espera que haja menos pressão pelo FMI, que não haja inflação, mesmo que se pratiquem aumentos nos encargos fiscais, nos combustíveis, nas tarifas públicas, etc. Achata-se tudo, menos a esperança. Às vezes, para descontrair, penso que quem abriu a Caixa de Pandora foi um brasileiro! Deixou escapar todas as calamidades, mas conseguiu manter a Esperança dentro da caixa. O Brasil é o país da esperança, do esperar!

Seus dirigentes aproveitam de momentos importantes para introduzir seus desmandos. É fácil notar que é com a proximidade do Carnaval, Copa do Mundo ou qualquer feriado prolongado que aparece uma medida provisória (podemos nos perguntar por que provisória, já que nunca se extingue!), que desestrutura a rotina vigente, ou, é determinado um novo reajuste em tarifas ou produtos. Mas, a preocupação com a festa ou feriado parece prevalecer, em detrimento de reações organizadas.

O aspecto festivo e criativo do Puer é usado contra ele mesmo. Aproveitam-se de seu desligamento do momento atual e de seu entusiasmo em fazer alguma coisa associada à sua visão futurista, para introduzirem o que acharem por bem. O Puer só vê a chegada do feriado, da festa, etc., nada antes nem depois e, na maioria das vezes, nem mesmo se diverte tanto, pois perde tempo nos congestionamentos; há pouco espaço livre nas praias e clubes; há falta de recursos básicos. Mas ele pensa que, "quando chegar lá", encontrará seu paraíso.

Quando algum outro indivíduo muito ardiloso consegue mobilizar o Puer a fazer algo grandioso, seja derrubar um sistema, reivindicar alguma coisa, ou, em certos casos, deflagrar greves, provavelmente estará agindo em causa própria. Mobiliza os demais para não perder suas regalias.

Quanto ao aspecto do Puer que busca a espiritualidade — e esta, infelizmente, é mais uma busca por soluções mágicas para seus desacertos do que por seu desenvolvimento interior —, não deixa de ser uma armadilha pois, são freqüentes os engajamentos com situações ou grupos ardilosos. Na última década foram criadas e devidamente registradas (já que não deixa de ser um empreendimento comercial) uma infinidade de seitas, igrejas, congregações, etc., com a promessa de que tudo que se pedir se alcançará, bastando orar e contribuir com o dízimo.

Se fosse ensinado ao Puer contribuir com o dízimo a si mesmo, colocando-o, inicialmente, em algum tipo de aplicação financeira, depois de algum tempo aumentaria a probabilidade de realização de algum sonho de ordem material. Isto seria uma das maneiras de fazê-lo executar, passo a passo, uma tarefa, e de introduzir em seu cotidiano a paciência e a perseverança, encaminhando-o a uma visão Senex.

Não se trata de incitar o ateísmo, mas até de observar um pensamento bíblico: "Dá a César o que é de César e a Deus o que é de Deus", o que implica em se pensar em César como atribuição do mundano e terreno e em Deus como do espiritual e do divino.

Esta, portanto, é outra dificuldade do Puer.

O Puer deseja o prazer e, no Brasil, acaba por buscá-lo nos esportes, festividades e nos jogos de azar. Observa-se que nos esportes de maneira geral, mas principalmente no futebol, e durante o Carnaval, com as Escolas de Samba, há um funcionamento participativo e harmonioso dos Arquétipos da Mãe e do Pai, ou dos Dinamismos Matriarcal e Patriarcal. Há, por um lado, afeto, sensualidade e criatividade, e, por outro, regras a serem seguidas e observadas, há ordem e disciplina, treino e perseverança. É bem provável que resida neste movimento de interação entre os dois Arquétipos o renome do Brasil nessas áreas.

Portanto, é de importância imensa que o puer seja reconhecido e valorizado pois ele carrega o nosso futuro — positivo ou negativo — não necessariamente como o próximo passo no tempo, mas como a futuridade dentro de cada complexo, seu significado prospectivo, sua direção para a frente e para fora, como possibilidade de renovação através de eros e como chamado do significado construído sobre a eternidade do espírito. Portanto, é de importância imensa que tentemos a cura da divisão arquetípica que separa puer de senex, transformando-os na antítese negativa, levando o indivíduo a uma posição endurecida contra seu próprio puer aeternus, assim demonizando seu anjo, de forma que o novo que surge através do puer é demoníaco. (Hillman, 1999, p.45)

Mas se somos capazes de despontar nos esportes e no Carnaval — porque não pensar em se utilizar essa força interior para algo mais, para a vida cotidiana? Evidentemente, isso seria impraticável em curto espaço de tempo. Deve-se pensar, a princípio, na educação elementar, que está tão distorcida que não atinge mais seus objetivos. A Educação, ao adotar de maneira indiscriminada e deturpada o Estatuto do Menor e do Adolescente, está favorecendo o Dinamismo Patriarcal sombrio, que incita à rebelião — não há limites, autoridade ou regras a serem respeitadas. Estabeleceram-se "direitos" mas não deveres. Esqueceu-se da máxima de que "o direito de um termina no início do direito do outro", equação clara entre direito e dever.

Portanto, deveria ser aberto um estudo profundo nas atuais bases da educação do país, com a participação de todos os segmentos sociais e profissionais, visando a um melhor aproveitamento do Arquétipo do Puer, em seus aspectos positivos, buscando uma melhor integração com o Arquétipo paterno para que se possa construir uma ponte, uma articulação com o Arquétipo do Senex.

Não se pode deixar de citar dois dos maiores ídolos do Brasil na atualidade: Edson Arantes do Nascimento — Pelé — e Aírton Senna, ambos expoentes do esporte. O primeiro, relacionado à "alma" do brasileiro — o futebol, e, que me parece mais fundamentado no eixo Puer-Senex para uma exemplificação. O segundo, com sua ousadia no automobilismo, teve morte trágica e prematura, e está imortalizado em uma revista na qual é representado enquanto criança, me parecendo um representante típico do Puer.

Estes dois ídolos poderiam ser utilizados como modelos, no sentido de buscar-se o melhor de nosso país.

Espero, com este ensaio, ter contribuído para incitar a formação de novas idéias, para maiores pesquisas ou para lançar uma semente de projeto sobre a construção da ponte Puer-Senex, e que esta permita que o Brasil deixe de ser o país da esperança para ser o país do agir com responsabilidade e prazer!

Quero concluí-lo com um pensamento de Franz, que me parece oportuno para a reflexão:

A criança está sempre à frente e por trás de nós. Atrás de nós é a sombra infantil que deixamos para trás e a infantilidade que deve ser sacrificada — aquilo que sempre puxa para trás levando à imaturidade, dependência, preguiça, falta de seriedade, fuga da responsabilidade e da vida. Por outro lado, se a criança que vem a nossa frente significa renovação, a possibilidade da juventude eterna da espontaneidade e de novas possibilidades — então a vida corre em direção do futuro criativo. (Franz, 1992. P. 41)

Referências Bibliográficas

BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega Vol. II. 8ª ed. Petrópolis: Vozes, 1997. 335p.

BYINGTON, Carlos Amadeu Botelho. O Desenvolvimento Simbólico da Personalidade. Junguiana 1983. Rio de Janeiro : Vozes, p. 08 - 63, 1983.

____. Dimensões Simbólicas da Personalidade. São Paulo : Ática, 1988. 80p. Série Princípios v. 134.

____. A Identidade Multicultural Latino-Americana - Uma introdução à Antropologia Simbólica. In: I Encontro Latino Americano de Psicologia Analítica, Punta del Leste, 1998.

COELHO, Paulo. O Alquimista. Rio de Janeiro : Rocco, 1989. 247p.

DIAS, Lucy e GAMBINI, Roberto. Outros 500: uma conversa sobre a alma brasileira. São Paulo : Editora SENAC, 1999. 228p.

FRANZ, Marie-Louise von. Puer Aeternus: A luta do adulto contra o paraíso da infância. São Paulo : Edições Paulinas, 1992. 315p.

HILLMAN, James. Estudos de Psicologia Arquetípica. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981. 234p.

____. Entre Vistas. São Paulo : Summus, 1989. 199p.

____. O Livro do Puer: ensaios sobre o Arquétipo do Puer Aeternus. São Paulo : Paulus, 1999. 233p.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed — São Paulo: Companhia das Letras , 1999. 220p.

JUNG, Carl Gustav. Símbolos da Transformação. (O.C. vol. V). Petrópolis : Vozes, 1986. 544p.

____. Aion: estudos sobre o simbolismo do si mesmo. (O.C. vol. IX/2). 2ª ed. Petrópolis : Vozes, 1986a. 317p.

____. Psicologia do Inconsciente. (O. C. vol. VII/1). 11ª ed. Petrópolis : Vozes, 1998. 141p.