A Grande Mãe

A Grande Mãe

A Psicologia Analítica tem por base a análise estrutural de um determinado arquétipo, observando sua constituição, dinâmica e o conjunto de símbolos que o compõe.

Um arquétipo é uma imagem interna que opera na psique humana.

Ao se analisar um arquétipo observa-se:

1. Dinâmica: é o efeito do arquétipo, sua manifestação energética no inconsciente e entre o inconsciente e a consciência. É observada nas emoções positivas e negativas, nas projeções, nos medos, nos estados de possessão do ego, nos estados depressivos e nos estados maníacos. É o que determina o comportamento humano de modo inconsciente seguindo padrões independentes das experiências de cada indivíd o.

2. Simbolismo: é sua manifestação através de imagens psíquicas específicas e particulares a cada arquétipo, que afloram na consciência.

3. Componente material: é seu conteúdo significante apreendido pela consciência, ou seja, quando o seu conteúdo inconsciente é elaborado.

4. Estrutura: é a complexa rede da organização psíquica que engloba os três elementos à cima, tendo por centro ou núcleo o próprio arquétipo.

As imagens simbólicas de um arquétipo não são o próprio arquétipo, pois ele é ininteligível, invisível, portanto, são as imagens simbólicas que dão visibilidade ao arquétipo. Estas imagens são a fonte criativa do ser humano. “O símbolo indica, sugere e estimula” (Neumann, p. 29).

O estado psíquico inicial e a situação primordial nas quais o ego não está diferenciado do Self são representadas pelo Uroboros. Ele representa a origem, os opostos – positivo e negativo, masculino e feminino, luz e escuridão.

Como símbolo da origem carrega o potencial para fazer a transição entre a indiferenciação e o arquétipo do Grande Masculino e do Grande Feminino que farão a transição para o do Grande Pai e da Grande Mãe.

Neumann ao conceituar projeção, que significa que conteúdos do inconsciente são projetados no mundo exterior e não vivenciados diretamente como conteúdos do inconsciente, refere que esta é a que possui o “plano exterior de projeção”. E diz que se tem o “plano interior de projeção” que é reconhecido através dos sonhos, visto que os conteúdos inconscientes se refletem. Por isso, os conteúdos psíquicos são vistos pelo ego onírico como algo exterior.

O ego pode observar e vivenciar as constelações arquetípicas do inconsciente de forma direta, quando as distingue como imagens psíquicas no plano interior da projeção, e, indireta, quando a projeta no mundo exterior.

O duplo caráter do Feminino

Neumann distingue dois tipos de caráter do Feminino: o caráter elementar e o de transformação do Feminino, sendo uma tentativa de interpretar tanto a própria experiência do Feminino, como o que tem o Masculino do Feminino.

Para Neumann, a Anima e o Animus são as instâncias contra-sexuais da psique e, portanto, sofrem influência das vivências (equação pessoal) de quem fala sobre o sexo oposto.

Mas em se tratando do arquétipo do Grande Feminino, que repousa no inconsciente coletivo, a influência da equação pessoal é mínima, quase não permitindo deformações.

O caráter elementar do Feminino é a tendência a conservar em si o que gerou, portanto, num eterno pertencer e mantê-lo assim próximo. É típico do matriarcado, ou seja, quando o ego e a consciência ainda estiverem indiscriminados do inconsciente, isto é, este é ainda dominante. Ele é a base dos aspectos conservados, estável e imutável do Feminino que é a característica do Maternal. O caráter elementar pode se manifestar de modo positivo (provedor de proteção, calor, alimento) ou negativo (repúdio, privação).

Entre o ego e o inconsciente há uma “gravitação psíquica” que é uma tendência a fazer com que o ego deseje retornar ao estado original, indiferenciado do inconsciente. E esta é proporcional a maior disponibilidade de libido a serviço do ego.

O caráter de transformação do Feminino enfatiza o elemento dinâmico da psique, colocando em movimento algo já existente levando a uma transformação. Este caráter também está presente no Maternal e vai se diferenciando.

Os dois tipos de caráter estão interligados e integrados desde o início, mas observa-se, freqüentemente, a dominância de um deles.

O arquétipo do Grande Círculo que pode ser vivenciado como o mundo ou a natureza no exterior, e como o destino e o inconsciente internamente, abrange e dá início ao Grande Feminino.

A vivência do caráter de transformação diverge no homem e na mulher, pois a mulher vivência em si e fora de si (gestação, parto).

Na mulher encontramos três mistérios de sangue da transformação feminina:

1º mistério de sangue: a menstruação

2º mistério de sangue: a gravidez

3º mistério de sangue: a transformação do sangue em leite (amamentação)

Já o homem vivencia o caráter de transformação sendo movido por uma força direta ou indiretamente, rumo a transformação. Isto em função da Anima que é por excelência o veículo da transformação. “Ela é a movimentadora e o impulso à transformação, cuja fascinação impele, seduz e estimula o masculino a todo tipo de aventuras da alma e do espírito, da ação e da criação no mundo interior e exterior.” (Neumann, p. 41)

O inconsciente vai saindo do seu anonimato enquanto a Anima vai se tornando independente, pois ambos estão diferenciados e distantes do universo urobórico, característico da fase matriarcal e do Grande Feminino.

As mulheres se relacionam com seus parceiros de maneiras diferentes quando o caráter elementar ou de transformação for dominante. Se o caráter elementar é o dominante, a mulher se relacionará de acordo com a situação arquetípica coletiva, sem vínculo pessoal – o parceiro é visto como o provedor. Já na mulher com predomínio do caráter de transformação, o relacionamento se dará numa relação individual e autêntica.

O Simbolismo Central do Feminino

O feminino tem por núcleo simbólico o vaso. Tem-se a equação simbólica

Mulher = Corpo = Vaso = Mundo

que é experimentada por toda a humanidade como o Feminino.

O vaso, o interior do corpo, em termos arquetípicos, é o inconsciente.

As funções básicas do feminino são:

- Nutrir, dar calor, proteger e amparar.

- Dar a vida, parir.

O Feminino tem o caráter simbólico do “conter” e “do estar contido”, daí o Grande Círculo e do anel urobórico.

O Grande Feminino rege a vida vegetativa, por conseqüência, a terra e suas transformações apresentam os mistérios do Feminino.

Os mistérios da Transformação

O símbolo espiritual da esfera matriarcal é a lua. A consciência matriarcal está ligada à lua e a patriarcal ao sol.

A lua, com suas fases, retrata as transformações características do Feminino nas quais vemos o nascimento, a morte e o renascimento. Esta, além do material, é uma transformação espiritual que observamos retratada nos processos alquímicos.

As Esferas Funcionais do Feminino

No caráter elementar prevalece o maternal e no de transformação prevalece a Anima.

A Grande Mãe não é apenas provedora da vida, mas aquela que promove a morte. Ela pode dar amor como suprimi-lo para demonstrar seu poder.

Caráter Elementar (conter)

(positivo) Mãe Bondosa à Gerar e Libertar; Desenvolvimento; Mistérios da Vegetação (Fruta/Nascimento/Renascimento) que dirige à Imortalidade na Transformação Espiritual. Arquétipos do Domínio da Mãe: Isis, Deméter, Maria.

(negativo) Mãe Terrível à Reter, Fixar, Aprisionar; Diminuir, Devorar; Mistérios da Morte (Doença/Extinção/Morte/Desmembramento). Arquétipos do Domínio da Bruxa Velha: Kali, Hécate, Górgona.

Caráter de Transformação (aquecer, nutrir)

(positivo) Anima à Dar; Transformação, Sublimação; Mistérios da Inspiração (Êxtase/Inspiração/Visão) dirigindo à Sabedoria na Transformação Espiritual. Arquétipos do Domínio da Virgem: Musas, Sofia, Maria.

(negativo) Anima Negativa à Rejeitar, Privar; Transformar, Dissolver; Mistérios da Embriagues (Êxtase/Loucura/Impotência - Estupor). Arquétipos do Domínio da Bruxa Jovem: Lilith, Circe, Astarte.

O Fenômeno da Reversão e a Dinâmica do Arquétipo

O arquétipo exerce um grande fascínio sobre o ego-consciência e o atrai e o possui. A possessão positiva é menos relevante, visto que a consciência se mantém. No caso da possessão através do pólo negativo do arquétipo a consciência é aniquilada e daí tem-se a loucura. Mas através da loucura, dor, aflição, solidão, é que se pode renascer para a inspiração.

Resumo do livro “A Grande Mãe”, de Erich Neumann, Editora Cultrix, 1996.